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Além das fronteiras, a comida é um laço que une pessoas. Entre cheiros e sabores familiares, imigrantes do Oriente Médio encontram conforto e conexão com sua terra natal mesmo de longe.

O resgate da cultura através da culinária é uma experiência que vai além do simples ato de cozinhar, é uma celebração de identidade e memória. Cada prato carrega consigo histórias de migração e adaptação, refletindo as vivências de gerações que encontraram um novo lar em terras brasileiras. 

Ao saborear as iguarias árabes, as pessoas não apenas desfrutam de uma experiência gastronômica, mas também relembram suas origens e perpetuam uma cultura rica, trazendo a compreensão e importância da herança cultural.

Assim, a culinária árabe se torna uma ponte entre o passado e o presente, proporcionando o sentimento de pertencimento e reforçando a identidade cultural e diversidade tão característica no Brasil, além destacar um patrimônio vivo que continua a evoluir e ser um testemunho de resistência.

RAFAT HUSEIN

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 Rafat Husein, chef do restaurante Al Janiah

Rafat Subhi Hasan nasceu no Brasil, filho de refugiados palestinos que chegaram ao país em busca de uma nova vida, trazendo consigo a rica herança cultural da Palestina. Desde a infância, Rafat foi profundamente conectado às tradições árabes, especialmente à culinária de sua família. Atualmente, ele é chefe no restaurante Al Janiah, localizado no bairro da Bela Vista, em São Paulo, onde oferece uma autêntica comida árabe, fiel às receitas tradicionais da Palestina. O Al Janiah, no entanto, vai além de um simples restaurante, é também um centro de acolhimento e preservação da cultura palestina, funcionando como um ponto de encontro para a comunidade e um espaço de difusão de uma rica história.

"A sua identidade se perde quando perde a sua gastronomia, sua cultura, e isso não vai acontecer com a gente"

Rafat Husein
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"O Al Janiah se tornou um pedaço da Palestina, ele é um pedaço da Palestina. É uma resistência além da cultura gastronómica que se formou aqui. Todos que vem pra cá não encontram só um espaço para comer, mas sim um refúgio, tu vem pra cá e não entra um território brasileiro, você entra na palestina" comenta o cozinheiro, Rafat Hasan.

A imigração palestina é marcada por uma história de deslocamentos forçados, conflitos e uma busca incessante por um novo lugar para reconstruir a vida sem deixar suas origens e identidade. O exílio palestino é um reflexo dos ciclos intermináveis de dispersão que foram impostos em uma série de eventos históricos, desde o Império Otomano até o controle britânico e a ocupação por Israel. No Brasil, é difícil estimar a quantidade de refugiados palestinos ao longo do tempo, devido à falta de dados confiáveis. No entanto, Uma pesquisa do IBOPE de 2019, estima que neste ano os palestinos representavam cerca de 5% das pessoas de ascendência árabe no Brasil. 

A culinária palestina carrega em seus pratos a essência de uma história de resistência e preservação cultural, como o Maqluba, um dos pratos mais tradicionais e emblemáticos, que traduzido significa “virada”. Esse prato era servido há milhares de anos atrás como forma de intimidar inimigos em jantares de negociação de paz. Os ingredientes eram cozidos juntos em uma travessa de barro e, ao final do preparo, o prato era servido virando a travessa, quebrando-a na mesa. 

Porém, mesmo com riqueza histórica, os sabores e temperos da Palestina foram se mesclando com as influências de outros países da região ao longo das décadas, devido aos conflitos constantes. E a falta de pesquisas e estudos aprofundados sobre a culinária árabe é um reflexo da dificuldade de preservação dessa identidade culinária, muitas vezes negligenciada pela dinâmica imposta pelos conflitos.

A culinária imigrante, portanto, torna-se um elo com a terra natal mantendo a identidade palestina em um país imigrante como o Brasil. De acordo com Rafat, a comida palestina não é apenas um ato de alimentação, mas um protesto contra o esquecimento, afirmando que, apesar dos conflitos e guerras, a culinária palestina nunca irá desaparecer. 

“A perda do território palestino não começa quando o inimigo ocupa seu povo e seu território. A perda do território é quando você perde a sua dignidade, perde a sua identidade nacional. E sua identidade se perde no momento em que você perde a sua gastronomia, sua cultura... mas isso não vai acontecer com a gente, a comida é nossa”, declara Rafat.

História da Imigração_edited_edited_edit

ABDULRAHMAN ALSAIED

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Aboud, dono do restaurante Aboud Shawarma Comida Árabe Fotografia: Bielzera

A culinária faz parte da vida de Aboud desde sua infância. O proprietário do restaurante Aboud Shawarma Comida Árabe cresceu na Síria, onde despertou interesse pela gastronomia enquanto trabalhava em um açougue. Chegou ao Brasil em 2014 como refugiado da guerra e se estabeleceu no centro histórico de São Paulo, mas só abriu seu restaurante em meados de 2017. Devido ao sucesso, precisou mudar de local duas vezes. Atualmente, seu estabelecimento está localizado na região do Largo do Paissandú e é reconhecido como um dos melhores lugares para saborear um shawarma na capital paulista.

“Uma coisa boa do Brasil: as comidas. Os brasileiros gostam de comer uma coisa boa e diferente. Ele gosta de experimentar coisa diferente”

Aboud
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A imigração sírio-libanesa trouxe para o Brasil uma diversidade cultural que se integrou não só socialmente, mas também no paladar. A culinária síria é marcada por seus sabores intensos e temperos exóticos, que refletem a riqueza da cultura do Oriente Médio. 

A influência de diversos povos que habitaram a região, tornou a culinária rica e diversa. Entre os pratos mais populares, estão o shawarma, homus, kibe, kafta, falafel e bolinhos de grão-de-bico fritos. As iguarias são centradas em grãos, legumes, especiarias aromáticas, carnes e produtos frescos, mostrando um estilo de vida saudável e equilibrado. Os doces também são um ponto forte da culinária síria, com destaque para baklava, doce folhado com nozes e mel, e o malabie, um pudim de leite com calda de rosas. 

Para os sírios, a culinária é uma forma de preservar e celebrar suas raízes. Eventos culturais, festas e restaurantes típicos mantêm viva a conexão com as tradições de seus antepassados, algo que carrega o conceito de reunir as pessoas ao redor da mesa e promover o espírito de união e partilha. 

O BRASIL ABRIGA MAIS DE 11 MILHÕES DE ÁRABES E SEUS DESCENDENTES.png

ALAA KASEEM

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Alaa Kaseem, dono da sorveteria Al Kaseem

Alaa Kaseem chegou ao Brasil em 2013, vindo da Síria, sem falar português e com o desafio de recomeçar sua vida em um país distante de sua terra natal. Em sua jornada, encontrou na culinária uma forma de resgatar e preservar sua cultura. Foi assim que surgiu a Al Kaseem Gelato, uma gelataria que, além de oferecer gelatos artesanais, tem como missão manter vivas as tradições gastronômicas do Oriente Médio, especialmente as da Síria.

"Eu acho que Al Kaseem é mais que uma loja que me trouxe muita experiência e muitas lembranças, é também um local que traz essa memória para muitos árabes que voltam a experimentar os sabores únicos com sorvete verdadeiro."

Alaa Kaseem
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Em 2018, Alaa teve uma oportunidade importante. “Eu conheci a Juliana, que hoje é minha esposa, no restaurante em que eu trabalhava no centro de São Paulo. Ela trabalhava com gelato italiano e, como eu já tinha experiência com doces e outras preparações da cozinha, a propus para trabalharmos juntos, fazendo uma fusão: gelato italiano com sorvete árabe, com sabores árabes. Eu mostrei para ela como fazíamos os sorvetes na Síria, o maquinário, todo o processo. Aí fomos fazendo testes, alugando uma cozinha industrial, oferecendo sorvetes para amigos e restaurantes. Todo mundo gostou muito, e assim começou a ideia de vender para restaurantes”, lembra.

O processo foi crescendo aos poucos e a história da Al Kaseem Gelato continuou, e em um momento certeiro quando Alaa recebeu uma proposta de um “primo”, dono de uma loja em Moema. “Ele me convidou para abrir a sorveteria lá. Eu estava hesitante porque tudo estava fechado por causa da pandemia, mas ele me disse: ‘Vai lá, monta a loja e, quando as coisas começarem a abrir, a gente conversa’. E foi assim que a loja foi criada. Hoje, temos uma unidade no Jardins e também um restaurante árabe. E estamos expandindo, com planos de abrir outra franquia de gelato.”

Para Alaa, a Al Kaseem Gelato representa mais do que um negócio. “Eu acho que a Al Kaseem tem sido uma loja que trouxe muitas experiências e memórias, principalmente de árabes que experimentaram nosso sorvete. Realmente, é um sorvete verdadeiro, feito com maquinário tradicional e sabores autênticos.” A diferença entre o gelato da Al Kaseem e os gelados tradicionais de São Paulo, segundo Alaa, está na técnica e nos ingredientes. “O sorvete árabe é muito diferente. O gelato de lá, como o Buza Árabe (conhecido como nata), é feito de uma forma totalmente manual, com maquinário diferente. A mistura é batida manualmente e o sabor é extraído de ingredientes como a água de rosas, a flor de laranjeira, miski, que não são encontrados facilmente aqui no Brasil. E a textura do sorvete também é única: ele puxa-puxa.”

Os sabores de Al Kaseem também refletem a rica herança árabe de Alaa. “Temos um sabor chamado Saka, que é um mingau árabe congelado, feito com canela, água de rosas, flor de laranjeira e um pedacinho de pistache. Outro sabor é o de tâmara, uma fruta árabe conhecida, que fazemos sem açúcar, porque a tâmara já é naturalmente doce. Também temos figo seco com nozes e o sabor de rosas, que leva gergelim e pistache.”

Alaa sempre soube que sua jornada não seria fácil, mas acredita que o Brasil foi a melhor escolha. “Eu estava no Líbano, e a situação estava difícil. Então, decidi sair para um país que me desse uma chance. O Brasil abriu as portas para mim, me deu a oportunidade de ser reconhecido como cidadão e não apenas mais um imigrante sírio.”

Sua paixão pela sua cultura é evidente. “Eu amo minha cultura. Ela é muito rica, cheia de coisas maravilhosas, como a dança, a comida, tudo. É tudo maravilhoso e, através da culinária, tento transmitir um pouco dessa cultura para os outros.”

A Al Kaseem Gelato, mais do que uma gelateria, é um verdadeiro resgate de uma tradição, oferecendo ao Brasil uma experiência autêntica do Oriente Médio e mantendo vivas as memórias afetivas de uma cultura rica e acolhedora.

UM TESTEMUNHO DE RESISTÊNCIA

A presença árabe no Brasil, embora muitas vezes silenciada ou invisibilizada, se faz sentir em cada esquina, nas lojas, mercados e até mesmo nas conversas cotidianas. Por meio de receitas que atravessam gerações, as famílias árabes mantêm viva a memória dos antepassados, que se refugiaram na terra brasileira em busca de novas oportunidades. Essa culinária transcende fronteiras geográficas e temporais, trazendo consigo as memórias de um passado repleto de desafios, mas também de conquistas. No prato árabe, o brasileiro encontra mais do que comida: encontra a história de um povo que se reinventa, que se faz presente e que, com cada tempero, constrói uma ponte entre culturas e gerações.

Em um país como o Brasil, onde a miscigenação e a convivência entre diferentes etnias são pilares da formação da sociedade, a culinária árabe não é apenas uma tradição de um grupo específico, mas uma contribuição valiosa para o patrimônio cultural coletivo. Ela é um símbolo de adaptação, mas também de resistência. Rafat, Aboud e Alaa são também a expressão de identidade, que permanece viva e forte nas mãos de quem a prepara e compartilha. Ao saborear um prato árabe, o brasileiro não só se delicia com os sabores e aromas de terras distantes, mas também se conecta com uma história de coragem, fé e esperança — uma história que, assim como a comida, está longe de ser esquecida.

SOBRE NÓS

Somos um grupo de estudantes de jornalismo apaixonados por contar histórias e estamos ansiosos para compartilhar as tradições gastronômicas e culturais da Palestina, Líbano e Síria. Juntos, buscamos transmitir o sabor, a identidade e a histórias de imigrantes com respeito e dedicação. Estamos animados para compartilhar tudo com você!

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Giovanna Marques

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Madu Casado

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Iago Laterça

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